terça-feira, 3 de agosto de 2010

PENSANDO O PRESENTE

O presente não é de modo algum uma temática nova nas discussões dos filósofos ao longo da história da filosofia, sendo que um tema desses, sem dúvida, merece uma abordagem um tanto quanto cuidadosa. Mas quando um jornal alemão lança para o público do século XVIII uma pergunta em torno do que é o presente, é evidente que se pressuponha que os seus leitores já possuam em termos regulares uma opinião formada. Esta questão de pensar o presente deixou perplexo, pelo que parecem os pensadores desse período, como podemos notar na resposta através de um texto que Kant escreveu a cerca dessa problemática que foi levantada. Esse texto foi publicado em dezembro do ano de 1784 por um periódico chamado Berlinische Monatsschrift. “Texto menor, talvez. Mas me parece que, com ele, entra discretamente na história do pensamento uma questão que a filosofia moderna não foi capaz de responder, mas da qual ela nunca conseguiu se desembaraçar ”. Não é primária a questão da reflexão do pensar filosófico sobre o presente que se vivencia. De modo esquemático, segundo Foucault, essa reflexão tinha tomado três formas fundamentais que são: a representação, interrogação e a analise, que juntas conceituam o presente de maneira separada e ao mesmo tempo complementar.
A resposta de Kant à pergunta Was ist Aufklärung? indica uma saída que “é um processo que nos liberta do estado de menoridade ”. Essa menoridade segundo Kant, é uma dependência de nossa vontade, ou seja, há sempre uma espécie de ‘líder’ ou ‘mestre’ para seguirmos. Sinteticamente a menoridade se limita no fato de simplesmente obedecer e não usar questionamentos ou a razão como instrumento para perceber o que se passa. Contudo, a maioridade apresenta outra característica distinta: “a humanidade terá adquirido maioridade não quando não tiver mais que obedecer, mas quando se disser a ela: obedeçam, e vocês poderão raciocinar tanto quanto quiserem ”. O presente do século XVIII, segundo Foucault, não poderia se pensado apenas tendo como base a Aufklärung. Mas, isso foi o início para se criticar de forma legítima a natureza do presente, e determinar “o que se pode conhecer, o que é preciso fazer e o que é permitido esperar ”. Foucault afirma, uma hipótese que Kant procura ligar sua obra na atualidade em que vive, e não é a primeira vez que isso ocorre com um filósofo. Contudo, é a maneira com a qual Kant relaciona seu trabalho estreitamente e do interior “a significação de sua obra em relação ao conhecimento, uma reflexão sobre a história e uma análise particular do momento singular em que ele escreve e em função do qual ele escreve ”. É considerado por Foucault uma novidade no pensamento e na obra de Kant uma certa preocupação com o presente que o leva a permear sua obra com questões alusivas a atualidade do século XVIII. A modernidade a partir desse momento ganha uma nova direção, onde ela não seria simplesmente mais uma atitude, uma maneira de ser e ver o mundo, não se limitando somente como um período histórico. Assim, poderíamos dizer que a Aufklärung é uma conquista de uma nova visão que marca a ruptura com os fundamentos forjados no século XVIII. E Foucault cita como exemplo, o que ele chama de atitude de modernidade, “uma das consciências mais agudas da modernidade do século XIX ”, que foi Baudelaire. A transitoriedade, a fugacidade e a incerteza caracterizam o rompimento com a tradição concomitante com a sensação de novidade e uma certa tontura súbita do que esta acontecendo. Mas para Baudelaire isso não é suficiente para ser moderno, é preciso tomar para si uma conduta em conexão a esse movimento apresentado. “A modernidade não é um fato de sensibilidade frente ao presente fugidio; é uma vontade de ‘heroificar’ o presente ”. O presente é desprezado por muitos em vários sentidos, mas talvez seja no sentido religioso que isso mais se acentue porque há uma transferência da conquista de certos elementos pertinente a felicidade humana para um mundo localizado no além, e isso é desprezar o presente; e é exatamente isso que as religiões fazem de certo modo.
A heroificação do presente é uma ironia. Pois aqui não se trata de eternizar o presente, porque aquele que age assim está flanando, e se satisfaz em apenas abrir os olhos e captar os fatos, depositando na memória o momento. Porem, há sujeitos que aparentemente flanam, mas que no isolamento produzem coisas belíssimas, tanto nas artes quanto nas reflexões a cerca da realidade na qual vivem. Portanto, segundo Foucault, “a modernidade baudelairiana é um exercício em que a extrema atenção para com o real é confrontada com a prática de uma liberdade que, simultaneamente, respeita esse real e o viola “. Ser moderno é manter uma relação consigo mesmo e ao mesmo tempo não se satisfazer com o pouco conquistado, é ir buscar mais. Aí está a dignidade com o presente, sendo que o homem moderno deve sempre se reinventar. E por fim Foucault nos diz que Baudelaire somente concebe essa ‘transformação’ num lugar: no campo da arte.
Poderemos então considerar ao longo dos últimos dois séculos, como diz Foucault “uma tensão entre a Aufklärung e o humanismo do que uma identidade ”. Poderia ser importante esmiuçar esta questão para termos uma visão mais pormenorizada de nosso passado. E a pesquisa no campo da ciência formal ganharia uma nova ‘dimensão’ critica, analisando o que nos constitui como sujeitos pensantes e agentes transformadores. A dignidade do presente que estamos pensando nesse momento estaria acoplado a uma crítica capaz de nos levar “para tão longe e tão amplamente quanto possível o trabalho infinito da liberdade ”. Esse modo de agir não deve restringir-se somente no espaço vazio de um sonho de liberdade, como afirma Foucault, mas de fato ir mais distante na experimentação. Embora, isso tem demonstrado por experiência que esta visão do mundo e da cultura que é apresentada de maneira nova, conduziu-se para uma perigosa tradição. “Prefiro as transformações muito precisas que puderam ocorrer há 20 anos, em um certo número de domínios que concernem a nossos modos de ser e de pensar ... ”.
Quando Foucault fala dessa forma, é evidente que são das coisas, que vou chamar de ‘práticas’, que ele esta se referindo, como por exemplo: a relação com a autoridade, com o sexo, a nova visão que temos da loucura e das doenças. São transformações muito mais seguras e reais que podemos encarar sem muito receio, do que as promessas feitas pelo homem ao longo do século XX.
O conhecimento histórico da Aufklärung, se não causou grandes mudanças anteriormente, nos dias de hoje podemos dizer que ela nos afetou; porém, a tão desejada saída da menoridade ainda de fato não ocorreu. A maioridade implica compreender os limites que cerca a razão. E pensar o presente exige um certo êthos, uma atitude que somente a critica filosófica pode proporcionar mostrando os limites que foram nos imposto e a sua possível superação. “... é preciso dizer hoje que o trabalho crítico também implica, penso o trabalho paciente que dá forma à impaciência da liberdade ”. Podemos pensar este limite claramente quando falamos da clonagem, principalmente da discussão em torno da clonagem humana, onde há todo um envolvimento ético que perpassa este tema gerador de muitas controversas. Acredito que pensar o presente é prestar o máximo de atenção nos fatos, descobertas e atitudes que nos envolvem. Esse pensar é estar ‘plugado’ nos acontecimentos de maneira que possamos extrair uma crítica capaz de se não for nos fazermos maiores, pelo menos reduzir o constrangimento da menoridade.
Pensar o presente é agir, fazer e transformar o que esta acontecendo; embora se discuta velhos problemas que até o momento as soluções ou saídas não foram encontradas. Portanto vemos as luzes como representação ao pensar as novas tecnologias que estão surgindo e por fim podemos pensar a virtualidade produzida pelos computadores como também a inteligência artificial.
Agora gostaria de falar no âmbito da tematização da liberdade do projeto genealógico e a sua relação com o êthos e defini-lo. É uma palavra de origem grega usada na ética e, significa caráter; maneira de ser de uma pessoa; índole e temperamento. Portanto, a relação do sujeito e o poder passam por este caminho do êthos. Foucault, em O sujeito e o poder, nos mostra como é que o estado exerce sobre o indivíduo seu poder. Para o estado manter o poder buscou um modelo na instituição da igreja cristã. Estabelecendo o poder pastoral e seus fundamentos como forma de dominação. O estado como já sabemos não se preocupa em particular com o indivíduo, mas com a totalidade. Como a totalidade é constituída por individualidades, então o estado encontrou esse mecanismo para dirigir os indivíduos sem perdê-los de vista. Esse poder pastoral de certa forma diminuiu sua eficácia ao longo da história. E Foucault não acredita “que devêssemos considerar o ‘estado moderno’ como uma entidade que se desenvolveu acima dos indivíduos, ignorando o que eles são e até mesmo sua própria existência, mas, ao contrário, como uma estrutura muito sofisticada, na qual os indivíduos podem ser integrados... ”. Essa integração pressupõe uma nova atribuição da individualização num modelo mais sofisticado do poder pastoral. De maneira que, a relação de poder não se estabelece em um consentimento que rompe com a liberdade de cada indivíduo em detrimento do poder exercido pelo estado. O caráter, a maneira de ser de cada um, ou seja, o êthos é observado de forma pormenorizada para que o conjunto esteja harmonioso; ou seja, para que a totalidade se mantenha em ordem. “O exercício do poder não é simplesmente uma relação entre ‘parceiros’ individuais ou coletivos; é um modo de ação de alguns sobre outros ”. Portanto, a liberdade de cada indivíduo é de certa forma controlada pelo estado. E isso permite que alguns exerçam ação sobre a ação dos outros. As relações de poder esta ligada intimamente ao nexo social que se firmou radicalmente, criando uma dependência estrutural, não permanecendo esta relação de poder acima da própria sociedade. Vejo que há certa dinâmica nesta relação de poder, onde alguns indivíduos agem sistematicamente sobre os outros. E ao mesmo tempo esse agir, ou poderia dizer, ação é corroborada pelos que se acham na situação de obediência. Certamente aqueles que estão no controle querem permanecer no comando firmado, por isso mesmo criam estratégias novas para manterem o domínio sobre a maioria.





REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA


FOUCAULT, Michel. Arqueologia das ciências e história do sistema de pensamento. In.: O que são as luzes?. Org. e seleção de textos: Manoel Barros da Mota; Trad. Elisa Monteiro; s.l.; Ed. Forense Universitária; s.d.; p. 335-350.

FOUCAULT, Michel. Uma Trajetória Filosófica, para além do estruturalismo e da hermenêutica. Trad. Vera Porto Carrero; Introd. Trad. Antonio Carlos Maia; s.l.; Ed. Forense Universitária; s.d.; p. 231-247.






sexta-feira, 30 de julho de 2010

A mudança como experiência de ensino

O mundo atual está com seus sistemas de crenças abalados. Tanto a religião quanto a ciência não são capazes de maneira eficiente de responder as questões que sempre nos intrigaram: de onde viemos, para onde vamos, o que é a verdade? Nesse sentido o professor deve estar atendo para não cair no dogmatismo, no autoritarismo, na reprodução das verdades estabelecidas, e, sobretudo não se portar como um detentor do saber absoluto. Até mesmo por conta de sua formação numa área específica do conhecimento, que acaba restringindo seu olhar em relação à realidade. Corriqueiramente o professor se torna autoritário por acreditar que sua especialidade é a mais importante.


A relação do professor com os alunos deveria partir do princípio que ele também é um aprendiz. Talvez duplamente aprendiz: primeiro na própria área específica do conhecimento que atua, e que envolve também as questões de ordem pedagógicas. Em segundo, e provavelmente o mais importante as relações humanas que se estabelece com os alunos. Isso porque grande parte do aprendizado é realizada pela interação com o outro, pelo contato e as vivências do cotidiano. Muitas vezes de maneira sutil o professor é capaz de influenciar os seus alunos a adotar determinados pontos de vistas e atitudes que escapam à sua percepção.

O filósofo francês Jacques Rancière, em sua obra O Mestre Ignorante trata de um professor francês de linguística, chamado Joseph Jacotot, que é convidado a dar aula na Holanda. Mas ele não sabe holandês e muito menos a respeito da cultura de seus futuros alunos. Contudo, aceita o desafio e embarca nessa aventura pedagógica. Ao se deparar com os alunos, o professor Jacotot, que era considerado um professor tradicional muda sua postura diante da relação ensino-aprendizagem. Ele utiliza, para mediar o ensino e principalmente a comunicação com os alunos, uma versão bilíngue de uma obra que aborda da mitologia grega. E como era um professor tradicional, se vê obrigado diante da nova situação mudar de postura para atingir seu objetivo: a aprendizagem de seus alunos. Ele assume uma atitude, como diz Rancière, de um mestre ignorante; não daquele que finge não saber, como na atitude socrática; mas realmente não sabe, e que tem interesse em saber o que o seu aluno sabe. Sem querer transmitir verdades e concepções já prontas.

Portando, o professor deve estar sempre aberto à mudança, alicerçada, é claro, na reflexão crítica e na responsabilidade de suas atitudes frente às questões que envolvem a educação. Assim, o devir é uma das condições da profissão docente que exige percepção aguçada do professor com os problemas sociais, culturais, éticos, pedagógicos e epistemológicos de seu tempo. Com efeito, há uma urgência na educação de hoje, que apontaríamos como dialética: preparar os alunos para compreender o mundo, ao mesmo tempo em que o professor se prepara para esses alunos que estão sendo formados cognitivamente pelas novas tecnologias, e influenciados pela indústria do entretenimento.